quarta-feira, 4 de março de 2009

O operário em Construção - Venícius de Moraes

Era ele que erguia casasOnde antes só havia chão.Como um pássaro sem asas Ele subia com as asasQue lhe brotavam da mão.Mas tudo desconhecia De sua grande missão:Não sabia por exemploQue a casa de um homem é um temploUm templo sem religiãoComo tampouco sabiaQue a casa que ele faziaSendo a sua liberdadeEra a sua escravidão.De fato como podiaUm operário em construçãoCompreender porque um tijoloValia mais do que um pão?Tijolos ele empilhavaCom pá, cimento e esquadriaQuanto ao pão, ele o comiaMas fosse comer tijolo!E assim o operário iaCom suor e com cimentoErguendo uma casa aquiAdiante um apartamentoAlém uma igreja, à frenteUm quartel e uma prisão:Prisão de que sofreriaNão fosse eventualmenteUm operário em construção.Mas ele desconheciaEsse fato extraordinário:Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.De forma que, certo diaÀ mesa, ao cortar o pãoO operário foi tomadoDe uma súbita emoçãoAo constatar assombrado Que tudo naquela mesa- Garrafa, prato, facãoEra ele quem faziaEle, um humilde operárioUm operário em construção.Olhou em torno: a gamelaBanco, enxerga, caldeirãoVidro, parede, janelaCasa, cidade, nação!Tudo, tudo o que existiaEra ele quem os fazia
Ele, um humilde operárioUm operário que sabia Exercer a profissão.Ah, homens de pensamentoNão sabereis nunca o quantoAquele humilde operárioSoube naquele momento Naquela casa vaziaQue ele mesmo levantara Um mundo novo nasciaDe que sequer suspeitava.O operário emocionado Olhou sua própria mãoSua rude mão de operárioDe operário em construção E olhando bem para elaTeve um segundo a impressãoDe que não havia no mundoCoisa que fosse mais bela.Foi dentro dessa compreensãoDesse instante solitárioQue, tal sua construçãoCresceu também o operárioCresceu em alto e profundoEm largo e no coraçãoE como tudo que cresceEle não cresceu em vãoPois além do que sabia- Exercer a profissão -O operário adquiriuUma nova dimensão:A dimensão da poesia.E um fato novo se viuQue a todos admirava: O que o operário diziaOutro operário escutava.E foi assim que o operárioDo edifício em construçãoQue sempre dizia "sim"Começou a dizer "não"E aprendeu a notar coisasA que não dava atenção:Notou que sua marmitaEra o prato do patrãoQue sua cerveja pretaEra o uísque do patrãoQue seu macacão de zuarteEra o terno do patrãoQue o casebre onde moravaEra a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhosEram as rodas do patrãoQue a dureza do seu diaEra a noite do patrãoQue sua imensa fadigaEra amiga do patrão.E o operário disse: Não!E o operário fez-se forteNa sua resoluçãoComo era de se esperarAs bocas da delaçãoComeçaram a dizer coisasAos ouvidos do patrãoMas o patrão não queriaNenhuma preocupação.- "Convençam-no" do contrárioDisse ele sobre o operárioE ao dizer isto sorria.Dia seguinte o operárioAo sair da construçãoViu-se súbito cercadoDos homens da delaçãoE sofreu por destinadoSua primeira agressãoTeve seu rosto cuspidoTeve seu braço quebradoMas quando foi perguntadoO operário disse: Não!Em vão sofrera o operárioSua primeira agressãoMuitas outras seguiramMuitas outras seguirãoPorém, por imprescindívelAo edifício em construçãoSeu trabalho prosseguiaE todo o seu sofrimentoMisturava-se ao cimentoDa construção que crescia.Sentindo que a violênciaNão dobraria o operárioUm dia tentou o patrãoDobrá-lo de modo contrárioDe sorte que o foi levandoAo alto da construçãoE num momento de tempoMostrou-lhe toda a regiãoE apontando-a ao operárioFez-lhe esta declaração: - Dar-te-ei todo esse poderE a sua satisfação
Porque a mim me foi entregueE dou-o a quem quiser.
Dou-te tempo de lazerDou-te tempo de mulherPortanto, tudo o que verSerá teu se me adoraresE, ainda mais, se abandonaresO que te faz dizer não.Disse e fitou o operárioQue olhava e refletiaMas o que via o operárioO patrão nunca veriaO operário via casasE dentro das estruturasVia coisas, objetosProdutos, manufaturas.Via tudo o que faziaO lucro do seu patrãoE em cada coisa que viaMisteriosamente haviaA marca de sua mão.E o operário disse: Não!- Loucura! - gritou o patrãoNão vês o que te dou eu?- Mentira! - disse o operárioNão podes dar-me o que é meu.E um grande silêncio fez-seDentro do seu coraçãoUm silêncio de martíriosUm silêncio de prisão.Um silêncio povoadoDe pedidos de perdãoUm silêncio apavoradoCom o medo em solidãoUm silêncio de torturasE gritos de maldiçãoUm silêncio de fraturasA se arrastarem no chãoE o operário ouviu a vozDe todos os seus irmãosOs seus irmãos que morreramPor outros que viverãoUma esperança sinceraCresceu no seu coraçãoE dentro da tarde mansaAgigantou-se a razãoDe um homem pobre e esquecidoRazão, porém que fizeraEm operário construídoO operário em construção